Quantas perguntas?

...são necessárias para se chegar a uma resposta?

24.12.06

Um leve desconforto

Abri os olhos devagar. Eram dez horas da manhã e ainda tinha tempo antes de precisar levantar. Apesar da porta e das venezianas fechadas, a luz entrava pelas frestas com um tom amarelado e me fazia perceber que o dia deveria estar bonito lá fora. O som de uma obra vizinha vinha junto, vozes, marteladas, furadeiras... E o calor. Um mormaço insuportável, talvez ampliado pela penumbra e pelo contraste com a vida que corria na rua, me mantinha ociosamente acorrentado à cama.

Era sexta-feira, o Natal chegava segunda, e eu teria o fim-de-semana de folga. Para completar, essa noite prometia. Era formatura do Bernardo, um dos meus melhores amigos, e da Laura, por quem eu tenho uma afinidade que chega a ser irritante. Além disso, conhecia mais 8 alunos que se formariam naquela mesma turma famequiana - havia sido convidado para 4 recepções, mais o baile oficial, e apesar da minha vontade, tinha certeza de que não conseguiria ir a todas.

Sai do quarto somente na última hora. Tomei um banho rápido, vesti uma roupa qualquer e deixei a barba por fazer. Sabia que teria tempo suficiente para passar em casa depois do trabalho, se fizesse tudo direito, e deixei separado o terno para ir mais rápido.

Não vou falar do trabalho. Fiz o de sempre, um pouco mais corrido do que o normal, mas nada extraordinário. É engraçado que quando se pára para contar uma história sobre o que quer que seja, muito do que acontece no nosso dia-a-dia perde toda a importância. A relevância é relativa, e as nossas vidas também...

Cheguei em casa cansado e com dor de cabeça, e cometi a imprudência de dormir um pouco antes de ir para a cerimônia. Acabei cochilando além desse "um pouco", e quase me passo. Acordei com uma mensagem no celular, um história a parte, e consegui colocar o despertador para dali a 15 minutos mais. Apaguei de novo.

Quando acordei, pontualmente às 20h15min – a formatura começava às 20h30min –, corri para o chuveiro e fiz a barba impetuosamente (acabei com o pescoço todo vermelho). A eficiência foi tanta que cheguei às 20h45min no auditório, pouco antes dos formandos. Tudo estava rigorosamente atrasado, e ainda tive tempo de observar a entrada triunfal e ouvir todos os discursos. Aplaudi, gritei, e depois do final da parte protocolada abracei quem pude – Laura, Bernardo, Vini, Fernanda Monks, Débora...

Num evento desse gênero, a presença dos famíliares e amigos pode ser representada por uma curva de crescimento regular, mas de queda brusca após o final das pompas. Abraçados e ovacionados os formandos, a parte de fora do salão se mostrava quase vazia, 60 ou 70 pessoas prenchendo o espaço que há alguns minutos havia sido disputado por centenas. E foi no meio dessa gente toda que cruzei com rostos familiares, antigos colegas de faculdade e antigos amores, pessoas importantes que já haviam significado muito mais para mim, mas agora se moviam como estranhos em uma uma situação de estranho desconforto.

Lá estava ela. Cabelos negros cacheados, um vestido tomara-que-caia entre o bordeaux e o preto, furta-cor, que se arrastava ao longo dos seus 1,58 metros até o chão. Trazia ainda uma pequena bolsa de lantejoulas pretas pendendo no braço direito. Tinha emagrecido, ou pelo menos parecia em forma dentro daquela roupa. Como sempre, carregava no rosto uma expressão perfeita para as circunstâncias. E o velho brilho dos olhos.

Fui em sua direção como quem corre atrás de uma surpresa agradável. De frente, sorriso aberto e braços prontos para apertá-la com força. Me surpreendi com todo o carinho que ainda lhe tinha, guardado e latente. Era como se estivesse escondido, preso pelas conveniências e pela força da minha resolução anterior. Carinho de verdade, ainda que não amor, ou pelo menos não o amor que alguém buscaria em uma relação a dois.

Aos meus olhos ela era a mesma, e o afeto foi involuntário e incondicional. Ainda que unilateral. Suas primeiras palavras foram: "Ooooi! Me dá só um minuto que eu já falo contigo...". Esperei 15. Parado, tentei manter uma pose respeitável, mostrando que estaria lá, independante do tempo que ela escolhece ignorar-me. Enquanto ela dedicava toda a sua atenção às mesmas amigas com quem passaria o restante da noite, assumi a impassível posição dos preteridos, aceitando a punição imposta. Ainda me pergunto se a vingança foi voluntária, fruto dos ressentimentos, ou meramente instintiva, reflexo mecânico de um coração ferido.

Esquivei-me de leve para comprimentar alguns conhecidos, dei um jeito de entrar na conversa das amigas dela e ela aproveitou para sair de perto. A intimidade estava barrada por um escudo que eu não saberia como baixar. O que teria sentido ao me ver, após todo esse tempo? O que teria pensado, o que teria temido?

Quando mais uma vez insisti para conversarmos, disse que precisava apressar-se, que já era hora de se dirigir para a recepção de uma amiga chamada Michelle. E eu deixando meus amigos irem embora, deixando de conversar e comprimentar uma galera para poder tratá-la com a atenção que achei que merecesse. Insisti uma última vez.

"Camilla, vai, me conta como é que foi a tua viagem, como foi a visita da Ju, fala comigo!"

"Ai Álvaro, tu não vai querer que eu te conte tudo isso em dois minutos!" Já tô de saída."

"Hummm, eu queria saber como tu tá, pelo menos."

"Fica tranquilo que eu só não te escrevi ainda porque não tive tempo. Vou fazer isso em seguida. Talvez não agora, que tem o ano novo, mas depois eu te escrevo com certeza!"

"..."

"A gente se fala!"

"..."

Ainda estou com a mesma cara de tacho.

Não seria exagero dizer que ela machucou meus sentimentos, mas ela provavelmente não entenderia. Eu machuquei os dela, muito mais. E, mesmo descontada a distância que tomei no fim do nosso relacionamento, ainda causei mais problemas do que seria possível consertar assim, na base da prosa.

Meu verdadeiro dilema é o carinho que sobrou. Esse sentimento ficou guardado, esperando uma chance de sair para fora, de gostar e de tratar bem. Mas não consigo pensar em nada que não seja brega para descrever isso.

Meu coração não é assim um parque de diversões, e ainda que eu goste ou ame quem quer que seja, nunca vou conseguir apagar todo o sentimento que depositei nela. Nem poderei dar esse carinho a outra pessoa, pois ele já tem destinatário certo.

Sei que ela ainda merece o mesmo respeito e tratamento daquela época, e gostaria de poder entregá-los de mão aberta. Me dói saber que ela não vai deixar. Não é possível compartilhar um sentimento com quem não quer recebé-lo. E agora, o que que eu faço com o carinho que sobrou?

7 Comments:

At terça-feira, dezembro 26, 2006 11:34:00 AM, Blogger lu castilhos said...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

 
At terça-feira, dezembro 26, 2006 11:42:00 AM, Blogger lu castilhos said...

Hmmm, sabe o que eu acho rapaz? (só acho, pq volta e meia me vem uma dessas perguntas e eu tb nunca sei o que fazer. mas quando não é com a gente sempre parece mais simples...)
bom, eu acho que este carinho deve permancer aí onde ele está mesmo. sem rancores. pode ser meio "polyana", mas meio que dá certo. tu é baita de um amigo, se ela quiser, tu vai estar aí, pra conversar e trocar idéias sobre viagens, sobre a vida. senão, bom, vai ter outras tantas pessoas querendo este papo e este carinho. é mais ou menos como seguir a vida pensando "bom, se não quer, azar. que que eu posso fazer?" mas sem encucar demais sabe? sem ficar se remoendo. porque estas coisas não levam a nada mesmo. ela vai te dar mais atenção? não. ela vai achar ótimo este teu post? não (pode até ficar meio de cara...apesar da camila ser uma criatura ótima, pode ficar).
eeenfim moço. se todo ano a gente aprende alguma (ou algumas coisas), neste ano aprendi que não adianta a gente se torturar para querer que as pessoas gostem da gente. mostramos isto, ok? se não entendeu, te rala. esta "despreocupação" não vai diminuir o respeito nem sequer o afeto e vai permitir que tenhamos noites de sono muito melhores.

ah, e queria muito ter ido contigo nesta formatura. mesmo. mas o meu horário anti-social não permitiu. fui pra um bar e me entupi de clerico (como se escreve isto?)

buenas, só pra tu não esquecer: eu te adooooooooro :)

 
At quarta-feira, dezembro 27, 2006 11:56:00 PM, Blogger Paula Pereira said...

Querido,talvez tu continue confuso,mas esse post ficou bárbaro e fluído. Adorei! Sobre o assunto conversamos depois. Bjs

 
At quinta-feira, dezembro 28, 2006 12:58:00 AM, Anonymous Anônimo said...

Bahhh! Que que tu removeu! xD
Queria só comentar a data "cabalística " em que tu resolveu postar, hehe
24/12/06
Pense sobre isso ;P
[]s

 
At quinta-feira, dezembro 28, 2006 5:55:00 PM, Blogger lu castilhos said...

Ô desconfortável! Se a Deza te avisar quando ela chega me diz!!! Eu tb quero ver se posso ir buscar a Frida no aeroporto ;)

 
At sexta-feira, dezembro 29, 2006 5:10:00 AM, Anonymous Anônimo said...

Ok, agora atualizado, vou fazer o q né, n sei se a culpa é minha ou da gerigonça (palavras antigas, estou fazendo coleção, porfavor alguém q saiba me informe mais delas) lá em encantado.De qualquer maneira, pô, camila, filha do Mano Menezes, hehehe, tu tinha q fazer algo a mais...bem , concordo com tudo q o o fred disse, data e post excluído, queremos declarações.Só q tu só me xinga nessa porra vou aproveitar a opurtunidade e te xinga também: veadão.Peguei leve pq estou escutando o van morrison.Sei lá onde vou estar amanhã, mas saiba q seria um previlégio passar o ano novo contigo.
Italo o louco

 
At quarta-feira, janeiro 03, 2007 3:38:00 PM, Blogger Débora Cruz said...

Ontem de manhã quando acordei
Olhei a vida e me espantei
Eu tenho mais de 20 anos
E eu tenho mais de mil perguntas sem respostas

Imagina a Elis Regina cantando isso... achei que tinha a ver com o teu blog.
Beijo

 

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