Confissão
A verdade é que estou de saco cheio com a vidinha que ando levando. Desmotivado e sem objetivos, passo tempo demais pensando o que fazer pra sair desse labirinto de ratos. Pra piorar, vejo minhas próprias frustrações com o olhar de um homem frio e alheio. É simplesmente impossível pra mim aceitar que estou infeliz com o que faço, pois não consigo identificar o que me falta. Nunca consegui. É como se a peça quebrada fosse eu: o mundo está ao meu alcance e fecho os olhos para tentar entendê-lo.
O melhor exemplo talvez venha de uma história recente: eu ia cobrir o Festival de Bonecos de Canela pelo jornal O Sul, estadia garantida, mala pronta e partida marcada para o final do expediente. Passaria quatro ou cinco dias na Serra, assistindo todas as peças e enviando as matérias por email. Trabalho árduo, claro, mas não por isso difícil, e muito menos indesejável. Estava entusiasmado como poucas vezes nos últimos tempos, e provavelmente como nunca em se tratando de uma atividade proporcionada pelo Sul. Na última hora, nosso editor-chefe cancelou a viagem. Ele havia descoberto que o evento tinha patrocínio da ZH. Por breves instantes, senti um vazio indescritível. Pensei nas seguintes palavras: "O cálice me foi partido nas mão justo quando lhe ia sorver o vinho". E assim fiquei cerca de meia hora, sem que outra idéia atravessasse minha mente. Entretanto, esse vazio foi, aos poucos, sendo substituido por outro, mas amplo e menos profundo. Quando cheguei em casa, minhas desilusões já estavam sedimentadas. Como as cinzas de um vulcão, elas formaram uma camada dura que recobria e asfixiava toda a esperança que me havia brotado com esse projeto. Mais do que isso, outras esperanças minhas, incautas e inocentes, também foram feridas.
Percebi então que o tal "cálice" já estava há muito vazio. Para saciar-me, era preciso sorver os sonhos com que eu o havia preenchido, era preciso viver os sonhos com que eu pudesse preencher-me. E a cada dia, no entanto, minha capacidade de sonhar se torna menor...
Não fosse a estafa proporcionada pela minha rotina, talvez eu não tivesse a capacidade de produzir essas linhas, de botar pra fora esses demônios modernos e, acredito, comuns às gerações de hoje. Afinal, quantas vezes aqueles que pensam sonhar estão de fato atrelados aos reflexos de uma sociedade baseada no consumo? Mesmo a chamada "contracultura" representa, hoje, valores baseados numa oposição fictícia, impulsos gerados por um merchandising subconsciente e com seus próprios "mais valia".
Ok, vou deixar a crítica social de lado, pois no momento não me serve pra nada. Atenhamo-nos à crítica psicológica: na busca por si mesmo, o homem tem de enfrentar sentimentos que, apesar de meramente absorvidos pela convivência social/familiar, estão tão profundamente introjetados que muitas vezes parecem definir o seu próprio caráter. Como o neurótico que pensa: "E no dia em que eu estiver 'curado', será que ainda serei eu mesmo?" Essa é uma pergunta que eu não sei responder diretamente, mas me intriga ao avaliar a questão do potencial humano.
Se pudessemos ser tudo o que sempre quisemos, e para tanto tivessemos simplesmente de nos entregar totalmente na direção dos nossos sonhos, quantos conseguiriam realmente realizar-se? Quantos não seriam vencidos por medos e inseguranças absurdas que ainda imperam sobre a tão ovacionada "razão humana"? Quantos não ficariam atrelados aos estereótipos da felicidade que nos é vendida em farmácias sob o signo da pílula azul (e eu estou falando do Viagra...). Pra completar, quantos não se perderiam em desejos conflitantes e incompatíveis, conseqüências diretas da educação cristã? Somos mais de 6 bilhões nesse planeta, e ainda assim acredito que apenas uma centena, quem sabe um milhar fosse capaz de tamanho despreendimento.
O resto... Bem, o resto, como eu, que se foda. Ou que encontre uma solução! Chega de circo, chega de correr em círculos. É chegada a hora do filho do homem, da renovação antifilosófica referida por Nietzsche. Ah, se pelo menos eu soubesse como fazê-lo! Se pelo menos fosse possível a alguém ensiná-lo e a mim aprendê-lo! O que me resta, agora, é o sonho da auto-superação, do reencontro das forças em um ideal coerente e poderoso o suficiente para que me seja possível fazer uma diferença. Quem sabe?
1 Comments:
Tirou essas palavras da minha boca...
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