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7.3.07

Eu, que nunca te amei

Entrei no bar e sentei no fundo, alheio aos casais e grupos de amigos que ocupavam quase todas as mesas. Ignorei as conversas e as risadas, ignorei os olhares estranhos e fui à mesa de praxe, cumprimentando apenas o garçon, de quem já me considero amigo. Uma vez acomodado, varri o lugar com os olhos para certificar-me de que não havia ninguém de interessante nas outras mesas e deixei-me tomar pelo prazer da acolhida. Cada vez que entro nesse bar (outrora o nosso bar), é como se adentrasse em casa amiga, recebido pelos braços invisíveis de meus irmãos anônimos.

Era sábado. Pedi uma polar gelada e dois copos, só para disfarçar. Qualquer um que viesse ali uma única vez por semana, depois das 22h, saberia que não esperava ninguém. Desde que nos separamos, prefiro beber sozinho. Afinal, me sentiria mal de levar alguém ali, independente do tempo e da distância que hoje dissolveram o que outrora foi a nossa tórrida relação.

É um gesto besta, e sei que tu não concordaria, mas é mais em respeito a mim do que a ti. Não quero misturar nossas lembranças e minhas aventuras com outras mulheres, não quero deixar que diferentes recuerdos ocupem esse mesmo lugar. Foram 14 meses de uma aventura marcante, e todas as nossas noites ali deixaram marcas mais fundas que as de tuas unhas. Ainda que eu sempre tenha te negado qualquer exclusividade ou garantias, deixo a nossa felicidade fugaz guardada em lugar seguro.

Por sinal, nunca te agradeci pelo bar... Quando nos separamos, cada um seguindo seu próprio caminho, mudei de academia e passei a fazer as compras mais tarde, por volta das 21h. Achei que estava fazendo minha parte, e me sentia feliz em saber que esses pequenos gestos ajudariam a mover a tua rotina sem minha presença. Mesmo que nunca tenhamos tido nada sério, sei que não teria sido justo da minha parte se te obrigasse a me encontrar todos os dias, ou todas as semanas, nessas casualidades cotidianas que quase parecem destino. E fiquei feliz que tu tenhas me deixado o bar, de quem tanto gosto.

Podes imaginar a minha reação, então, ao ver-te no último sábado. Não deixei de notar o teu constrangimento ao cruzar a porta, mas tive dificuldade em assimilar que o fazias mesmo ao risco de encontrar-me ali. Reconheci o homem que te tomava pela mão, um rosto desconhecido e ainda assim marcado pelo convívio freqüente. Ele ia seguro de si, seguro de que te sentarias em sua mesa e provaria da hospitalidade daquele recinto. Tu parecia disposta a correr o risco, claro, mas deve ter sido difícil.

Eu, que nunca te amei, senti algo que se rasgava em meu peito e fiquei sem ar. Eu, que nunca te amei, senti algo que oprimia meus olhos de tal maneira que tive de procurar o chão para não cruzar com os teus. Eu, que nunca te amei, me perguntei como podias chegar assim tão perto, se um dia me amaste, e permanecer de pé, bela e sorridente como nunca.

Levantei e paguei a conta (saí às pressas, antes que tivesses tempo de me cumprimentar). Fugi do local da minha felicidade e deixei-o aos teus cuidados. A felicidade, afinal, nunca foi meu forte. Tu, que um dia soube me amar, talvez pudesse amar novamente. Ali, nesse mesmo bar, te entregarias e amarias a outro, ajudada por um certo desapego e uma honestidade sentimental da qual eu, que nunca te amei, sou e serei sempre incapaz.