Quantas perguntas?

...são necessárias para se chegar a uma resposta?

3.3.07

O personagem, o protagonista e o narrador

O título deveria bastar para uma reflexão simples, mas todos sabem que quanto o assunto é bom vale se estender.

Estou lendo os contos completos de Sérgio Faraco, livro cujo tamanho chega a ser frustante. São 332 páginas, e fico pensando por que ele escreveu tão pouco. É tão bom que não consigo ler rápido, tenho de degustar cada história, por minúsculas que sejam, e acabo carregando o volume único embaixo do braço à espera de 5 minutos, meros 5 minutos, em que minha cabeça esteja pronta para receber mais um golpe de sua pena. De certa forma, a dialética interna de cada leitura me remete ao livro "Frio", de Paulo Betancur, que apesar de posterior traz a mesma marca: as multiplas facetas da sexualidade enquanto perspectivas/sintomas/reflexos dos dramas internos, da complexidade da alma humana.

Acabo de ler "Três segredos". Literariamente falando, uma pequena gema, polida à perfeição. Regionalismos na dose certa, personagens profundos (ainda que não extensivamente explorados), frases pontuais e um elo entre título-conto que serve ao seu fim. Mas eu fiquei pensando no narrador.

Como em quase todos seus contos até agora, o narrador/protagonista é uma figura humana e complexa, devidamente caracterizada, mas sem nome. Sua identidade está propositalmente incompleta, sempre latente, como que para dizer ao leitor que ainda há o que descobrir (algo como: "Não pense que você conhece meu personagem! Leia mais um pouco primeiro e daí tente tirar algumas conlclusões") e que este algo é universal ("Ele não precisa de nome, poderia ser eu ou você").

Mas mesmo este narrador singular parece sempre guiado por um narrador mais amplo (alguém poderia dizer Deus), que direciona o que há para ser dito e as contradições do rumo que a história assume. Sem esse rumo, verdade, não haveria história. Mas isso não basta.

No contexto da obra, a impressão é que os outros personagens parecem agir feito marionetes, cuidadosamente instruídas para tocar os acordes corretos no coração alheio. Ainda que verossímeis e realistas, ele foram reunidos por um Narrador demasiadamente cauteloso numa plasticidade de simetria incontestável, e isso remete a outra história - a história dentro das histórias, àquilo que, mesmo inconscientemente, o escritor deixou transpassar por sua arte, como uma lágrima acidentalmente vertida sobre as páginas do mais feliz romance.

Confesso que isso me dá arrepios...

1 Comments:

At quarta-feira, março 07, 2007 1:56:00 AM, Blogger lu castilhos said...

nossa guri, tu tá cada vez mais poético pra uma pessoa que diz não gostar de poesia :)

tu já te internacionalizou!!!

 

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